A quatro anos das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, cerca de R$ 50 milhões destinados à formação de atletas olímpicos e paralímpicos estão parados há 17 meses em razão de desencontros entre o Ministério do Esporte e a Confederação Brasileira de Clubes (CBC).
Esses recursos já saíram dos cofres do ministério para a CBC, que tem a responsabilidade de repassá-los aos clubes para auxiliar na formação de atletas. Porém, em função de desentendimento entre as partes sobre a exigência ou não de decreto que regulamente a Nova Lei Pelé, esse montante não está sendo investido no futuro olímpico do país.
O diretor executivo da CBC, Edson Garcia, confirma a estagnação dos recursos. “Como não há regulamentação para a Nova Lei Pelé, aplica-se na caderneta de poupança, enquanto aguardamos o decreto”, explica.
Porém, do outro lado, o Ministério do Esporte garante que a CBC já pode usar a verba. “A regulamentação da Nova Lei Pelé, nos itens que expressamente determinam aplicação de acordo com regulamentação, está em análise nas instâncias competentes do governo federal. Mas, no que tange ao repasse à CBC, não há necessidade de regulamentação. Portanto, a confederação pode fazer uso dos recursos assim que julgar conveniente”, afirma a assessoria da Pasta.
Sancionada em 16 de março de 2011, a Lei 12.395 alterou a Lei Pelé (Lei 9.615/98). Dessa forma, segundo entendimento da CBC, caberia ao Executivo expedir decreto para regulamentar as mudanças. Porém, até o momento, isso não ocorreu.
Dentre as alterações da Nova Lei Pelé, destaca-se o repasse para a CBC de 0,5% dos 4,5% a que o Ministério do Esporte tem direito de toda verba arrecadada nas loterias federais e similares, com destino único e exclusivo para a formação de atletas olímpicos e paralímpicos.
Segundo Garcia, a proposta de regulamentação (disponível no site da CBC) feita por comissão do Ministério do Esporte teria sido aprovada pelo Conselho Nacional do Esporte ainda em 2011. Em seguida, teria sido enviada para a Casa Civil, de onde nunca teria saído. Procurada, a assessoria de comunicação da Casa Civil negou ter recebido o texto. Por sua vez, o Ministério do Esporte, por meio de sua assessoria de imprensa, confirmou que o texto já saiu da Pasta e está “tramitando nos órgãos do governo federal”, mas não soube informar em que ministério está a proposta.
Segundo levantamento do Contas Abertas, dos R$ 49,1 milhões recebidos pela CBC no período de março de 2011 a julho de 2012, a grande maioria (R$ 48,2 milhões) refere-se aos 0,5% das loterias. O repasse do mês de agosto não havia sido realizado até o fechamento desta matéria. Os demais recursos (R$ 889 mil) são procedentes da Timemania, espécie de loteria com times de futebol.
O dirigente da CBC aponta a necessidade da regulamentação e garante que a confederação está trabalhando enquanto aguarda definição. “Nessa espera pela regulamentação, nós criamos uma comissão técnica dentro do segmento clubístico e indicamos o Lars Grael como embaixador honorário da CBC para começar a discutir a política de utilização dessa verba no segmento”, conta.
O diretor afirma que a CBC só está recebendo esses recursos porque, no fim do ano passado, entrou com pedido de alteração orçamentária para garantir que os montantes destinados à entidade pela Nova Lei Pelé fossem depositados. A decisão do órgão permitiu que os valores referentes aos meses de 2011 fossem empenhados em 30 de dezembro e pagos à CBC em fevereiro deste ano.
O valor médio dos repasses mensais dos 0,5% das loterias para CBC é, portanto, de R$ 2,9 milhões. Caso a verba fosse distribuída igualmente entre todos os 13.826 filiados à entidade, seriam apenas R$ 211,46 mensais por clube.
Porém, o diretor executivo da CBC garante que, apesar de existir indefinição sobre o tema, em função da ausência de regulamentação, os recursos serão aplicados de forma eficiente. “Nós estamos aproveitando esse atraso na regulamentação para debater com todo o segmento. Existem várias propostas, mas a definição de qual será utilizada vai depender muito do Plano Nacional do Desporto, que cabe ao ministério definir”, ressalta.
O dirigente aponta as dificuldades em definir a política de aplicação da verba antes de a regulamentação ser publicada. “Por exemplo, discute-se: o que é formação? A própria Lei Pelé diz que a formação do atleta começa aos 14 anos, mas a base dessa lei é o futebol. Existem modalidades em que a formação se inicia muito antes. Com 14 anos, já existem ginastas olímpicas se aposentando. Então, é preciso discutir essa política, que precisa estar em consonância com o Plano Nacional do Desporto, para que esse dinheiro possa ser aplicado de forma eficaz”, ilustra.
Por se tratar de dinheiro público, a CBC será obrigada a prestar contas, o que exige a criação de estrutura específica para a administração da aplicação e fiscalização dessas verbas. E até nisso o o atraso na regulamentação estaria atrapalhando.
“Quem define o percentual a ser utilizado na administração desse dinheiro é o ministério, na regulamentação. Como ainda falta definir qual será esse percentual, nós estamos esperando para criar a estrutura adequada de prestação de contas. De qualquer forma, é preciso que seja muito bem feita, com tudo informatizado e disponível ao público na internet, para que todo mundo possa consultar, inclusive o TCU”, explica o dirigente da CBC.
Além disso, Garcia aponta os clubes sociais como os responsáveis pela formação dos atletas olímpicos do país. “Nos Estados Unidos, o esporte é desenvolvido na escola. No Brasil, é nos clubes. Tanto é que, pelo censo da Folha nessa última Olimpíada em Londres, 87,6% dos atletas brasileiros eram de clubes. Mas essa é a primeira vez que esse segmento recebe verba pública. Nós também defendemos o esporte na escola, onde deve haver condições para a prática do esporte. Depois, detectado o talento, o atleta vai para o clube. Mas, hoje, a escola nem espaço tem, muito menos condições para desenvolver o esporte. Então, os clubes vão levar essa responsabilidade por décadas”, disse.
Após aguardar mais de 17 meses, Edson Garcia acredita que o decreto será publicado logo. “Parece-me que houve um acordo entre os ministérios e a regulamentação já está com tudo acertado, mas esse é uma informação que recebi de maneira informal. Só estará tudo ok, de fato, quando a presidente Dilma sancionar”, pondera. Apesar do otimismo, o diretor executivo da CBC admite ansiedade e frustração com o atraso na expedição do decreto. “Estamos muito ansiosos enquanto aguardamos a regulamentação. Imagina o segmento! Com o dinheiro em conta e não podendo utilizar...”, reclama.
|